José Antônio
Oliveira de Resende
Professor de
Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e
Cultura, da Universidade Federal de São João del-Rei.
Sou do tempo
em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente
caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos
todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.
Ninguém
avisava nada, o costume era chegar de pára-quedas mesmo. E os donos da casa
recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por
um.
– Olha o
compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.
E o garoto
apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos.
Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.
– Mas vamos
nos assentar, gente. Que surpresa agradável!
A conversa
rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo
com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá,
entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas
imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... Casa singela
e acolhedora. A nossa também era assim.
Também eram
assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também
costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia
alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas
– e dizia:
– Gente, vem
aqui pra dentro que o café está na mesa.
Tratava-se de
uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas,
queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... Tudo sobre a mesa.
Juntava todo
mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também.
Pra quê
televisão? Pra quê rua? Pra quê droga? A vida estava ali, no riso, no café, na
conversa, no abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade nos
momentos que acabam.... Era a vida transbordando simplicidade, alegria e
amizade...
Quando
saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda
nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem
carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. Era assim
também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa... A mesma
alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à
porta. Olhávamos, olhávamos... Até que sumissem no horizonte da noite.
O tempo
passou e me formei em solidão. Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD,
e-mail... Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa.
Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:
– Vamos
marcar uma saída!... – ninguém quer entrar mais.
Assim, as
casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos
anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis
e fantasmas mais assustados que assustadores.
Casas
trancadas.. Pra quê abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café,
dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos, do
leite...
Que saudade
do compadre e da comadre!
Mid - A
saudade mata a gente
Que lindo Mú... ai que saudades da minha infância...BJS, KEYLA
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